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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Exortações aos Carismaníacos: 1Coríntios 14 como paradigma da liturgia pentecostal


Por Esdras Costa Bentho

em vez de adorarmos integralmente ao Senhor em nossas reuniões, dividimos o tempo com propagandas de viagens a Israel, bandeiras de cartão de crédito, consórcios.
O capítulo 14 de 1 Coríntios é uma terceira abordagem da mesma problemática desenvolvida nos capítulos 12 e 13. 

Observe que o capítulo inicia-se com o verbo imperativo "diokete"1, isto é, “ir após com insistência”, em vez de um conectivo. No capítulo 12, o apóstolo dos gentios descreve os dons espirituais classificando-os em: (v.4) "diversidade de dons" (diaireseis de charismaton); (v.5) "diversidade de ministérios" (diaireses diakonion); (v.6) "diversidade de operações" (diaireseis energematon). A ênfase está na unidade e diversidade dos carismas. No capítulo 13, Paulo, embora exorte os crentes a buscarem os melhores dons (12.31), sobrepõe o amor aos carismas.

Todavia, neste capítulo, o apóstolo discute a relação entre os dons espirituais e a edificação da comunidade cristã. O tema (leitmotiv) da perícope acha-se no v. 26: "Faça-se tudo para edificação" (v.12). O termo "edificar" (oikodomeo) aparece sete vezes no capítulo (vv.3, 4, 5, 12, 17, 26). O sentido básico é "construir", "erigir", "construir". De acordo com Vine, procede de "oikos" e "demo", literalmente "construir uma casa" e, metaforicamente, "promover o crescimento espiritual e o desenvolvimento do caráter"2.

Contexto Histórico e Propósitos

As religiões de mistérios multiplicaram-se nos domínios da Grécia e de Roma. Os adeptos desses cultos eram conhecidos pelos seus "dotes espirituais", "transes", "glossolalia", "visões", e seus iniciados eram chamados de "pneumatikos", "pessoas espirituais". Variegados membros dessas religiões converteram-se ao Evangelho e, não poucos, estavam presentes na comunidade cristã de Corinto (1 Co 12.1), como também na igreja cristã da cidade de Colossos, provocando uma espiritualidade confusa, sincrética e radical (Cl 2). Nesta última cidade, os crentes chegaram até mesmo a cultuar os anjos, evitar certos alimentos e condenar o casamento. Neste contexto sociorreligioso, as manifestações espirituais na igreja moviam-se entre o exibicionismo e a soberba espiritual, provocando uma balbúrdia e distorção dos carismas. 

Lembre-se o leitor que as religiões de mistério nessas duas cidades dividiam a humanidade em pneumatikoi (os espirituais), hilikoi (os materialistas) e psichikoi (os naturais ou racionais). No epicentro desta querela estavam os "profetas", dotados do carisma da profecia, e os "glossolalos"3, que falavam em variedades de línguas (vv. 3,4). Portanto, Paulo escreve com o propósito de:

1) distinguir o valor didático e coletivo da glossolalia e da profecia, vv.1-9;
2) apresentar a função didática dos carismas no culto, vv.12-19;
3) exortar à maturidade v.20;
4) descrever ambos os dons como sinal (semeion) na liturgia, vv.22-25;
5) solicitar ordem na liturgia, vv.26-40.

Em nenhum momento Paulo condena os carismas ou diminui sua importância, conclui: “procurai, com zelo, profetizar e não proibais falar línguas” (v.39). Pelo contrário, distingui o valor e a função pública dos carismas. Assim, o dom de variedades de línguas é considerado útil à congregação, caso haja quem o interprete, e igualmente importante para a devoção particular, quando não há intérprete (vv.2,4-5). O dom de profecia, um dom didático, exortativo e comunitário, é ressaltado pela sua importância pública e coletiva (v.3). O dom de línguas e o de profecias recebem elogios e exortações (v.2,4-28; vv.29-40). Os encômios são dirigidos à correta função dos carismas na edificação pessoal e comunitária, enquanto as advertências ao uso imprudente e inoportuno, que provocam balbúrdia. O espanto e tumulto eram tantos que Paulo afirma que “Deus não é de confusão” (v.33). O que significa afirmar que o uso incorreto dos carismas revelava desconhecimento da parte dos glossolalos (que falavam em línguas) e dos profetas da natureza eirênica e ordeira do Senhor. Ambos os dons servem de fundamento para compreendermos a necessidade de dons didáticos para a liturgia congregacional e de certos carismas cuja natureza é mais pessoal do que coletiva.

Um dado importante no capítulo é que o dom, seja de línguas, seja de profecias, é encarnacional. Alguns entendiam que o dom era apenas sobrenatural, ou seja, o Espírito Santo é o agente e o cristão apenas o instrumento passivo dessa manifestação carismática. Desta forma, o glossolalo e o profeta se eximiam de qualquer responsabilidade na manifestação do carisma, atribuindo ao Espírito toda e qualquer desordem (v.33). Os dons porém são encarnacionais, isto é, o crente é também o agente e não apenas o instrumento. O profeta, por exemplo, não deixa de ser quem é, não perde sua cultura e formação, mas antes as exprime por meio do carisma. Ele, assim como o glossolalo, é responsável pelo modo como recebe o dom e o manifesta em público. De acordo com Paulo pode haver até mais de uma profecia no culto, mas instrui que cada profeta deve esperar sua vez; a recomendação também diz respeito ao que fala em línguas. Não existe edificação se não se entende o que se está dizendo ou acontecendo, se não há um propósito claro. Deus não se contradiz. Como pode “falar por meio de um profeta” e ao mesmo tempo ser repreendido por outro que também afirma falar em nome dele, ou melhor, que é “Ele quem fala?” Tal contradição não deve ser aceita na liturgia pentecostal!

Aqui os pregadores e avivalistas, sejam quais forem os nomes que lhes sejam dados (“vaso”, “canela de fogo”, etc.), sejam quais forem os cognomes que lhes sejam atribuídos (“filho do fogo”, “quebra-vaso”, “filho do trovão”, “ferrolho de fogo”, etc.) têm culpa por sua cumplicidade e adesão ao “culto maníacos”, ordenando “marchas”, “danças”, “pulos” entre outras esquisitices que não correspondem à herança pentecostal ensinada por nossos fundadores. Da mesma culpa compartilham os organizadores desses eventos. Num desses, o culto público realizado às quintas-feiras foi cancelado para os "profetas" irem ao monte a fim de se prepararem para "o encontro de vasos" que seria realizado no sábado daquela fatídica semana. Que dureza! Isso senhores, não é avivamento, mas manipulação das emoções e dos carísmas. Paulo exorta afirmando: "Irmãos, não sejais meninos" (v.20). Não se deixem usar pelos pregadores que buscam sucesso por meio da manipulação dos carismas.

Estrutura
O capítulo está dividido em quatro seções:
1) vv.1-25: Distinções, propósitos e superioridade do carisma profético;
2) vv.26-35: A liturgia e a regulamentação dos carismas;
3) vv.36-38: Autoridade paulina;
4) vv. 38,39: Síntese do discurso.

Comentário e Aplicação
O culto, tanto no Antigo ('abad) quanto em o Novo Testamento (latreuo), significa "servir", "serviço", referindo-se à liturgia sagrada oferecida ao Senhor (Êx 20.5; Mt 3.10). O culto é um serviço de gratidão e adoração a Deus por todas as bênçãos salvíficas (Sl 116.12,13). A pessoa principal da liturgia cristã não é o crente carismático, mas o Senhor Jesus Cristo (Ap 15.3,4).

Lamentavelmente, muitas igrejas têm substituído a divina pessoa de Jesus Cristo por outros personagens evangélicos. Deixam de lado Aquele que é manso e humilde de coração para abraçarem ególatras; abandonam Aquele que a si mesmo se doou para receberem os que pedem polpudas doações; se esquecem dAquele cujo corpo encheu-se das cicatrizes do amor para agradarem aos que estão cheios das medalhas da fama.  

Além de o culto ter como propósito a adoração a Deus, ele também nutre a edificação da comunidade redimida (vv.4,5,12s). Todavia, em vez de adorarmos integralmente ao Senhor em nossas reuniões, dividimos o tempo com propagandas de viagens a Israel, bandeiras de cartão de crédito, consórcios. Trocamos a adoração pelo comércio, a piedade pela hedonismo, a contrição pela evasão de si. Voltemos a celebrar ao Senhor e a unidade do Corpo de Cristo em nossos cultos, tornando-os didáticos, piedosos e festivos.

Sabemos que a liturgia da igreja primitiva era dinâmica, espontânea e com manifestações periódicas dos carismas concedidos pelo Espírito Santo (Rm 12.6-8; 1 Co 12.4-11, 28-31). Os cultos da igreja de Corinto eram carismáticos (1 Co 12; 13; 14), pois todas as manifestações do Espírito, as diversidades de ministérios e de operações, encontravam-se naquelas reuniões (1 Co 12.4-6). Porém, a igreja estava envolvida em diversas dissensões e litígios (1 Co 1.10; 6.1-11); pecados morais (1 Co 5) e, principalmente, desordem no culto de adoração a Deus (1 Co 11.17-19; 14.26-35). A desordem era tal que o próprio culto tornou-se um entrave ao progresso espiritual dos crentes. Eles eram imaturos e carnais (1 Co 3.1-4 ver v.20).

Por fim, diz Paulo:
“Se alguém cuida ser profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo, são mandamentos do Senhor” (v.37).

Notas
1. Literalmente "ir após com persistência".
2. VINE, W. E. (et al.) Dicionário Vine. 7.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2007, pp.582-3.
3. Tradução grega de "ho lalon glossei".
Sobre o autor:
Esdras Costa Bentho é pastor, teólogo, especialista em Hermenêutica Bíblica e pesquisador em Hermenêutica Filosófica, chefe do Setor de Bíblias e Obras Especiais da CPAD e escritor. É autor dos livros “A Família no Antigo Testamento – História e Sociologia” e “Hermenêutica Fácil e Descomplicada”, e co-autor de “Davi: As vitórias e derrotas de um homem de Deus”, todos títulos da CPAD.


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Um Pentecoste Intrigante - Esdras Costa Bentho


Por Esdras Costa Bentho

A liturgia pentecostal estremecida pelas formas de espiritualidade que não valorizam a Palavra.


Era sábado à noite. Chovia torrencialmente no Rio de Janeiro. As condições precárias do bairro tornavam a viagem até a igreja local uma odisseia homérica. Buracos incontáveis, barro que cobria toda a estrada..., dilúvio ininterrupto.
Estacionei o carro longe da igreja e segui o restante do percurso a pé. Tirei o sapato e a meia, levantei a barra da calça e pisei a lama. Andei uns trezentos metros até adentrar nos umbrais da minha querida denominação.
Era culto de jovens. Apesar da tempestade, dos raios que iluminavam o céu lúgubre, e do trovão ou talvez raio que derrubara uma velha árvore a poucos metros do templo, a igreja estava abarrotada de jovens, famílias, crentes.
O culto transcorreu com a liturgia tradicional das Assembleias de Deus. Cânticos congregacionais avivalistas e conversionistas, leitura das Escrituras, apresentações, testemunhos e oportunidades para conjuntos visitantes. Ouviam-se as orações e louvores do povo de Deus.
Fui cumprimentado pública e hiperbolicamente pelo pastor local. Ele falava de meus livros, de meu trabalho na CPAD, de como era importante para a Baixada Fluminense ter um dos seus filhos paraibanos trabalhando na editora da denominação; disse até mesmo conhecer minha vida particular e um dos meus tios e que, além de eu ser um “homem de Deus” era também responsável pela pregação naquela fatídica noite. Até que...
Chegado o momento da pregação, retribuí ao pastor o apreço. Abri as Escrituras e li a perícope joanina 12.1-11. Foi tudo o que consegui ler e falar naquele momento...
De repente um glossolalo irrompeu em línguas, seguido de outros três, que se expandiram para seis, doze, vinte e quatro e talvez quarenta e oito. Virei-me em direção ao dirigente local, na expectativa de que ele me apoiasse a retomar a ordem, a liturgia da palavra, mas, infelizmente, ele estava ocupado demais “pulando no espírito”.
Fiquei atônito, embasbacado, estupefato. Empregara muitas horas na preparação da pregação. Fizera uma exegese minuciosa da passagem. Em oração, meditara demorada e profundamente no texto e na contextualização do querigma.
Num ímpeto frenético, uma jovem começou a profetizar no mesmo momento que outra do conjunto visitante. Tentei falar, mas fui repreendido por um obreiro que disse:
“– Não há necessidade de mensageiro quando o Senhor está presente! ‘Ha-le-lui-as’!!!!. Para que ler a carta se o remetente chegou!"
A primeira moça, como um raio que entrecortava as últimas nuvens daquela noite, correu apressuradamente em direção à outra, que também estava profetizando. Passou por três outras imberbes que dançavam “no espírito” e, numa coragem hollywoodiana, pôs a mão sobre a boca da profetiza e disse:
“ – Cala-te. Eu sou o Senhor teu Deus!”
A mulher tirou rispidamente a mão que cobria-lhe o instrumento profético e retrucou, com erro vernacular e tudo:
“– Cale-se você. Eu que sou o Senhor teu Deus!”
“– Não”, retrucou a profetiza,
“– Eu que sou o teu Deus!”
Virei-me mais uma vez, na esperança de que o dirigente me ajudasse a retomar a ordem, mas ele estava ocupado profetizando para um auxiliar, e seus obreiros, caídos ao chão.
Fechei a Bíblia. Dei três passos para trás e sentei-me contemplando um jovem que estava correndo com as mãos abertas como se fosse um planador e outro que colocava uma das mãos no ouvido e outro na boca, como se estivesse conversando com alguém num celular fantasmagórico.
Comecei a chorar ao contemplar a desordem no culto, a manipulação dos carismas, a falsa espiritualidade e a meninice que grassa nalguns arraiais pentecostais.
Passados mais de uma hora, o pastor local retomou a palavra e pediu-me que fizesse as considerações finais. Abri a Bíblia em 1 Coríntios 14 e me ofereci a ministrar um curso acerca dos dons espirituais, mas aquele povo era duro de ouvidos.
Fui em direção ao carro. Tirei o sapato e as meias, levantei as barras da calça, mas uma das meias caiu na lama.

Notas
Glossolalo: aquele que fala em línguas estranhas.
Fonte: CPAD NEWS
Pregando o Evangelho dos Evangelhos!
Esdras Costa Bentho é pastor, teólogo, especialista em Hermenêutica Bíblica e pesquisador em Hermenêutica Filosófica, chefe do Setor de Bíblias e Obras Especiais da CPAD e escritor. É autor dos livros “A Família no Antigo Testamento – História e Sociologia” e “Hermenêutica Fácil e Descomplicada”, e co-autor de “Davi: As vitórias e derrotas de um homem de Deus”, todos títulos da CPAD.